quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

MEMÓRIA


Guardando os sonhos em uma prateleira

Carmense, irmão de cineasta, Arnaldo Sábato mantém cinemateca com mais de 3 mil títulos.
Foto: Ricardo Câmara

O pai veio da Itália para ajudar na construção da capital do Estado de Minas Gerais. Um dos irmãos era cineasta, e ele guarda em casa uma coleção de filmes com mais de 3 mil títulos. O primeiro deles data de 1917, alguns anos antes do seu nascimento, que se deu em 1921. Para contar um pouco desta história, nos recebeu em sua casa o simpático Arnaldo Sábato, na última semana.
Desde menino, conta ele, anotava os nomes dos filmes, as histórias, atores e os detalhes que mais lhe chamavam a atenção. Esse era um passatempo dele e do irmão, o cineasta Armando Sábato. Assim nasceu a paixão pelo cinema, que construiu a coleção de mais de 3 mil filmes, que fomos conhecer. Das anotações de criança, passou a adquirir cópias de filme, especialmente seriados, comédias e musicais: “eu sempre gostei muito dessas fitas de musicais”, diz ele, apresentando a sua vasta coleção à reportagem.
Em Belo Horizonte, Arnaldo começou a trabalhar cedo, na Casa de Couros Portilho Simões, instalada na Rua Caetés. E lá teve oportunidade de frequentar as várias salas de cinema. E foi na capital, em 1937, que assistiu ao primeiro filme exibido no Cine Brasil: “A Deliciosa”. E lembra: “estrelado pelo Charles Farwell e Janete Gainor, com a participação do ator brasileiro Raul Rolian”.
Raridades
Dentre as obras mais raras de sua coleção, Arnaldo Sábato fala de um filme de 1917: “uma fita muito rara, do cinema mudo, ainda... está aqui...”, procurava o colecionador enquanto mostrou outras obras raras de sua coleção: “Tarzan, o Destemido”, de 1933... “O Último Pôr do Sol”, um clássico do faroeste... De 1930, outra fita do homem das selvas, “Tarzan, o Tigre”... “da época da transição do cinema mudo para o cinema falado”, contou Arnaldo.
Ao mostrar os filmes, informava nomes de atores, falava um pouco da história contada na fita, demonstrando ter memória invejável para os seus “um pouco mais de 50 anos...”, como disse bem humorado. Além dos nomes e enredos dos filmes, atores, Arnaldo foi desfiando histórias de que se lembrava em suas muitas aventuras em busca de cópias de filmes para a sua coleção.
As fontes para conseguir os filmes, foram várias. Dentre elas, os distribuidores de filmes das grandes empresas do cinema americano: Metro, Universal... E sobre estas grandes empresas, contou pormenores, inclusive sobre a movimentação econômica do mercado cinematográfico, “hoje em grande parte dominado pelos japoneses”. E sobrou espaço até para falar um pouco de futebol.
O Atlético também tem raiz nos italianos, não é só o Cruzeiro...”, contou, citando nomes de fundadores do alvinegro, para confirmar sua informação. E lembrou ainda que, mesmo torcendo pelo Cruzeiro, ia ao campo com amigos atleticanos. Só se separavam lá, no campo, cada um indo para a torcida de sua preferência. Depois, voltavam juntos e comentavam o que tinha acontecido em campo. Falou de craques do passado... “Niginho, Lucas...”, para voltar em seguida à sua paixão.
Como conheceu vários artistas...
O Kirk Douglas, conheci quando ele veio ao Brasil. Fui ao hotel, para vê-lo de perto e não consegui. Aí, de noite, na porta do Municipal [Teatro], no Rio de Janeiro, estávamos assistindo ao desfile de fantasias, quando o Kirk Douglas apareceu, vestido de Spartakus. Parece que ele conversou com alguém, achando que a multidão estava ali por sua causa. Aí ele foi muito bacana, posou para fotografias e cumprimentou as pessoas. Ele me cumprimentou, pegando na minha mão”, lembrou.
Com Frank Sinatra foi parecido, conforme Arnaldo Sábato. Também fui ao hotel, sem sucesso. Aí, à noite recebeu um convite para ir ao show no Maracanã e lá pode chegar perto do cantor. E relacionou ainda vários artistas que conheceu: “Maria Violeta Rons, Niñon Sevilha, Raíto de Sol, Kuquita Carbajo, atrizes mexicanas de muito sucesso na época”, contou. Dos americanos lembrou, além de Kirk Douglas, das atrizes Glória Thomas e Hamisei Ames, “de ‘Vingadores do Crime’...”.
O cinema em Carmo da Mata
Sobre a história do cinema em Carmo da Mata, Arnaldo Sábato fala saudoso do antigo Cinema Progresso. “Lá eu assistia a filmes, quando criança. Era época do cinema mudo... os filmes eram acompanhados por uma orquestra, a Orquestra Cesário Rios”, e aqui ele abriu espaço para falar de algumas realizações do Cesário Rios na cidade, afirmando que “ele era um empreendedor”.
A história do cinema no município, conforme Sábato, data de mais de 100 anos. “O primeiro cinema era onde depois foi o local conhecido como ‘puxa-faca’... a exibição precisa de gerador...”, citando nomes de pessoas importantes para a construção desta história, lembrando ainda da empresa Ferreira & Notini.
“Em 1933/34, no Cine Progresso, tinha uma parede do lado esquerdo, caindo. Tiveram que derrubar e construir outro cinema, que é esse que está aí”, disse, para lembrar de detalhe que dava beleza diferenciada ao antigo Cinema Progresso: “o pintor italiano, Comini, pintou o forro do cinema... era lindo... valia a pena olhar para o alto, ver aquela coisa bonita”, disse emocionado.
Hoje, o Cinema Progresso apresenta alguns filmes, mas é mais utilizado para a transmissão de futebol. Mais uma vez o futebol ocupa espaço na vida do apaixonado pelo cinema, porém, de uma forma diferente, ocupando uma sala de cinema, substituindo os filmes que Sábato tanto gosta...
Um cinema em casa...
Um cômodo, nos fundos da casa, na Praça da Matriz, é usado para guardar a coleção de filmes de Arnaldo Sábato. E também para que ele e amigos – mais com os irmãos – assistam aos filmes, revivendo os tempos áureos da ‘telona’, só que agora em um aparelho de televisão... Para dar os ares noltálgicos das grandes salas de cinema de outrora, Sábato tem cadeiras que foram do cinema de Carmo da Mata.
“Bibi Notini, que era dono do Cine Palladium, me deu algumas cadeiras, que guardo aqui para lembrar dos bons tempos do cinema”, mostra Sábato. E fala muito mais, ainda, de suas memórias. Não com aquele clima nostálgico do “antes”, mas com a alegria de quem sabe que está fazendo um registro da história.
E os filmes não ficam ali, guardados... são emprestados a amigos, em pacotes de 15, 20 títulos, que ele faz questão de organizar, “para que eles não peguem fitas repetidas”.  Vale a pena ir à casa do Arnaldo Sábato, ouvir um pouco de suas histórias, conferir títulos de filmes – muitos deles nos lembrando histórias boas de contar –, aprender com ele como manter uma paixão, com a alegria, inteligência e vivacidade dos seus “poucos mais de 50...”. Viver e reviver bons momentos.

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