quinta-feira, 27 de setembro de 2012

ARTIGO


Hércules Tolêdo Corrêa

Pessoas especiais nos deixam mais cedo...
Para Sandra Rivetti Silveira



Era uma vez uma menina estudiosa. Uma menina muito adiantada, como se dizia no meu tempo de escola. Trazia sempre consigo os cadernos muito caprichados, encapados e sem nenhuma “orelha de burro”. A letra bonita, arredondada, lembrava a da mãe, professora primária dedicada.
A menina foi crescendo, crescendo e, como eu e tantos outros jovens nascidos em Carmo da Mata, quando terminou o Ensino Médio na Escola Estadual Joaquim Afonso Rodrigues, mudou-se para Belo Horizonte. A capital mineira era símbolo de novas oportunidades: faculdade, trabalho, namoro, casamento.
 A menina estudiosa, então, entrou para um grande banco e fez um curso que tinha a ver com seu trabalho. Nesse estabelecimento, ela ficou muito tempo trabalhando junto com uma amiga conterrânea e tantas outras moças e rapazes. Até que um dia o banco, que era meio público, foi vendido, privatizado, acabou e a menina foi buscar outras oportunidades.
Fez um novo curso superior. Provavelmente foi boa aluna, tanto quanto foi quando criança, eu não sei bem. Às vezes, as contingências da vida nos afastam dos amigos de que mais gostamos. As pessoas tomam outros rumos. Mas a vida dá voltas e mais voltas e, de repente, a gente se reencontra. Pois a menina, que andava meio sumida, reapareceu na minha vida. Fez concurso para isso, fez prova para aquilo.
Certo dia, ela me contou que iria trabalhar em uma biblioteca de escola pública. Não era exatamente o que ela queria, mas fora aprovada em concurso público e não deixaria passar oportunidade. Dei apoio. Muitos não viam, como ela me disse, aquele emprego como uma boa oportunidade, mas eu, que sempre vivi em torno da escola, como aluno adiantado e como professor dos vários níveis de ensino, apoiei minha amiga completamente. Ela gostava de crianças e de livros. Ali, naquela escola, ela faria uma diferença. E realmente fez. Conversamos várias vezes sobre isso.
De vez em quando, almoçávamos juntos, na casa dela, ou ela me visitava em ocasiões especiais. Por esse tempo, ela vivia com a irmã e a sobrinha. Eram três meninas bem unidas. Ela era uma tia e irmã dedicada. Carinhosa com a sobrinha, religiosa, bondosa, divertida, ela me contava dos trabalhos que fazia na biblioteca da escola, da harmonia do relacionamento com os alunos, da leitura que incentivava. Um dia, eu levei para ela um micro livro que eu comprara em Portugal. Era uma miniaturazinha de conto de fadas, em tamanho 1 cm X 1 cm. O livro havia se descolado e minha amiga, pacientemente, colou cada uma das folhas na pequena encadernação.
Assim ela ia levando sua vidinha, quando, de repente, soube que, em seu organismo, algo crescia indevidamente. Um terrível e temido monstro crescia dentro dela, tirando-lhe um pouco a alegria de viver. Mas ela não se deu por vencida. Enfrentou o monstro cara a cara. Botou o bicho para correr. Mas alguns meses depois, o danadinho retornou. Ela o encarou novamente. Rebateu, reagiu, chorou, rezou e tratou de si mesma com muita perseverança. Mas aquele monstrinho havia resolvido acabar com ela de verdade. Parece que ele sentenciou: “Eu voltarei e me multiplicarei!” Esse monstrinho danado tem feito muitos estragos, tem levado muitas pessoas para longe da gente, nos deixando saudosos. E parece que o monstrinho gosta mais de pessoas do bem. O monstrinho escolhe pessoas especiais, para nos deixar mais tristes e mais saudosos ainda. Então, numa tarde de quarta-feira, o monstrinho resolveu levá-la para sempre. Ficamos aqui com um sentimento ambíguo: com uma saudade no peito e com uma bela recordação dela na cabeça. Pai, irmã, sobrinha, tias, tios e amigos, todos ficamos meio órfãos da Sandrinha do Chico!

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