quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Possível crime de abuso de poder econômico

Prefeito, vice e chefe do Gabinete teriam pago R$1.400,00 para Simão da Funerária desistir de disputar vaga de vereador


    Em entrevista exclusiva à reportagem da Tribuna, o cidadão claudiense Simão de Assis Freitas, conhecido como Simão da Funerária, declarou que recebeu das mãos dos candidatos a prefeito e vice (à época) José Barroso, o Zezinho do Zé do Juquinha e Léo do Mercadinho, e do apoiador José Vicente (hoje chefe do Gabinete do Prefeito), R$1.400,00 “para não ser candidato a vereador nas eleições passadas”. A conversa aconteceu na tarde de segunda-feira, dia 28, em um restaurante da cidade. Na ocasião, Simão confirmou as informações que já haviam sido passadas à reportagem, por outras fontes.
    Disse Simão que ele foi procurado pelo candidato a prefeito, à época, Zezinho do Zé do Juquinha, juntamente com o candidato a vice, Léo do Mercadinho e o apoiador, José Vicente, que fizeram o pedido para que ele - Simão - desistisse de sua candidatura a vereador. Segundo o entrevistado, a alegação para a desistência foi de que precisavam “colocar uma mulher, para completar a chapa”.

Suspeitas são de que outras pessoas  também receberam


    Para justificar o pedido feito a Simão, os proponentes teriam dito que “é o mesmo valor que os candidatos vão receber, para fazer a campanha”. Desta forma, a informação seria de que os candidatos estariam repassando R$1.400,00 para cada um dos candidatos a vereador que compunham a chapa formada pelos partidos PDT e PRTB. Porém, na prestação de contas do candidato, que aponta um total de R$143.180,00 de despesas com as eleições, não consta repasses destes recursos.
    Em uma análise detalhada, também não está relacionada a despesa com o repasse que teria sido feito ao Simão para que ele desistisse da candidatura. Nenhum dos valores relacionados na prestação de contas do candidato, no item despesas, tem valor idêntico (R$1.400,00) ao relatado. A partir daí, muitas especulações podem surgir, apontando para possíveis crimes de abuso de poder econômico, corrupção e caixa dois, por exemplo.

Simão afirma que contará a verdade se for
chamado a se explicar na Justiça

    Demonstrando até mesmo um certo arrependimento por ter aceitado o dinheiro repassado a ele, Simão garantiu que, se chamado a se explicar na Justiça, contará toda a verdade. “Eu recebi o dinheiro, não vou negar”, disse. E explicou como foi feito o pagamento a ele: a primeira parcela, de R$700, teria sido entregue pelo próprio candidato a prefeito, Zezinho do Zé do Juquinha, que estaria em companhia do vice, Léo, e de José Vicente. A segunda parcela (também de R$700,00) foi-lhe entregue pelo José Vicente, que hoje ocupa o cargo de chefe do Gabinete do Prefeito.

Procurado, chefe do Gabinete não responde à reportagem


    Durante toda esta semana os acusados foram procurados pela reportagem, que entrou em contato com o chefe do Gabinete, José Vicente, para este contatar o prefeito e o vice. Tentamos ouvir os acusados para que eles apresentassem suas versões sobre o caso, ou mesmo negar o ocorrido. O chefe do Gabinete, José Vicente, atendeu a reportagem, num primeiro momento, quando foi-lhe explicado o assunto. Ele disse que retornaria à redação do jornal, com a sua versão. Desse momento em diante não conseguimos mais falar com ele.
    Em várias tentativas telefônicas, ou acusava que o telefone estaria “fora de área” ou o mesmo era desligado. Essas tentativas ocorreram até a tarde de sexta-feira, dia primeiro. Tempo suficiente para que os mesmos se posicionassem sobre o fato. Como até o momento nenhuma resposta foi enviada ao jornal, entende-se que os mesmos não desejam se manifestar.

Ato pode caracterizar crime eleitoral


    Segundo a lei que regula o processo eleitoral (Lei 9.504/97), em seu artigo 22, parágrafo 3º, “o uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado”. No caso aqui colocado, se confirmado, caracterizaria abuso de poder econômico, já que foi feito pagamento para que um candidato desistisse da disputa, para que uma mulher fosse colocada em seu lugar, com a finalidade de completar a chapa.
    Isso beneficia o candidato majoritário na medida em que a chapa completa de vereadores abre mais oportunidades de votos para a candidatura majoritária, na medida em que mais candidatos estariam defendendo-lhe. E, ainda, o pagamento pela desistência também pode caracterizar a tentativa de “calar a boca” do desistente e, por que não, mantê-lo aliado ao grupo.
    Veja o que dizem os advogados Gustavo Antônio de Moraes Montagnana e Gabriela de Moraes Montagnana, em artigo publicado no site www.omm.adv.br:

“O ABUSO DO PODER ECONÔMICO NAS ELEIÇÕES


    Raymuldo Faoro, em sua obra Os donos do poder, ressalta o fundamento tradicionalista do patrimonialismo, ou seja, “o assim é porque sempre foi”. Por muitos anos este foi o “regime de governo” que imperou em terras brasileiras, o coronelismo. Os senhores de engenho concentravam poder político, econômico e social, substituindo o Estado. A consequência histórica deste quadro foi a aceitação tácita de sua existência e imutabilidade pela população.
    (...)
    O coronel tinha controle, por tudo isso, sobre o conteúdo do voto, o que pressupõe um sistema de votação destituído de respaldo jurídico, de preservação da intenção eleitoral e mesmo de sigilo. Somente em 1932 o voto secreto foi juridicamente implantado, o que não inibiu fraudes posteriores, entretanto.
    Passado alguns anos, após a proclamação da Constituição Cidadã em 1988, o voto secreto foi elevado à direito fundamental do cidadão, sendo impossível ter a sua previsão retirada do corpo da Carta Magna por meio de emenda constitucional.
    Ocorre que a política coronelista de outrora deixou fortes marcas na vida do povo, apesar de juridicamente indesejada, haja vista a instituição do Estado Democrático de Direito. O abuso do poder econômico permeia o Direito vigente, ainda hoje.
    Nas palavras de Octávio Augusto da Silva Orzari “o abuso de meios patrimoniais se configura por ações ilícitas na utilização da disponibilidade patrimonial do agente de modo a interferir em seu benefício no certame eleitoral.” “Com o abuso de poder econômico o propósito de eleições igualitárias e livres é desvirtuado e democracia justa e participativa, corroída, em prejuízo do interesse público”.
    Atualmente, entretanto, ainda que parte da população ainda aceite tacitamente a política patrimonialista, ela é indesejada pelo ordenamento jurídico vigente. O abuso do direito econômico em prol de uma candidatura, acarreta diversas consequências jurídicas e pode ser enquadrado em diversos dispositivos legais, no âmbito eleitoral e penal.
    O ordenamento jurídico procura, desta forma, proteger a supremacia da vontade popular, alicerce máximo de toda ordem constitucional brasileira. Os valores da democracia participativa, da liberdade do voto, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político, como fundamentos da República Federativa do Brasil, são protegidos pela legislação infraconstitucional.
    Na esfera criminal, o Código Eleitoral prevê o crime de corrupção eleitoral e a Lei 9840/99 trata da captação ilícita de voto, prevendo pena de multa e a cassação do registro ou do diploma ao candidato que doar, oferecer, prometer, ou entregar qualquer bem ou vantagem ao eleitor com o fim de obtenção de voto.
    Interessante notar que a mencionada Lei 9840/99 foi gerada por projeto de lei de iniciativa popular, um dos mecanismos de democracia direta previstos na Constituição Federal, o que denota, a saudável e desejável, preocupação da população acerca dos padrões éticos praticados na disputa por cargos eletivos e a receptividade e sensibilidade do Congresso Nacional a manifestação nesse sentido.
    Com a finalidade de coibir o abuso do poder econômico nas eleições, o TSE  exige, para que sejam punidas, apenas, que as condutas possuam potencialidade ou capacidade de interferir na vontade do eleitor e nas eleições, sendo desnecessária a prova cabal do nexo ente a conduta abusiva e o comprometimento da legalidade da eleição.
    Muitos comportamentos, podem ser enquadrados como economicamente abusivos, sendo vários os julgados que enquadram condutas das mais variadas  como tais. Como exemplo pode-se citar: depósitos em quantia de quantia em dinheiro em conta-salário de  titularidade de eleitor; contratação às vésperas das eleições de grande número de cabos eleitorais; doação de pulverizador em momento crítico da disputa eleitoral, valendo-se da utilização de cheque da empresa do candidato para compra; aquisição e distribuição de combustível em quantidade expressiva; oferecimento de cargo em governo; entre tantas outras.
    (...)”

Ação pode caracterizar também o Caixa 2


    Outro caminho que pode tomar esta denúncia é o de formação de Caixa 2. Isto, porque o dinheiro utilizado para o pagamento a Simão não teria sido justificado na prestação de contas dos acusados. Também o fato de o pagamento ter sido feito em espécie, conforme declarou Simão da Funerária, aponta para a fonte não declarada dos recursos. E recurso não declarado caracteriza formação de Caixa 2.
    Com reportagem de Sérgio Cunha

ANÁLISE DO FATO


    A declaração de Simão da Funerária é clara: ele teria recebido dinheiro em benefício da candidatura de Zezinho do Zé do Juquinha. Caso se confirme, caracteriza crime eleitoral e, não se confirmando, pode caracterizar crime de calúnia. De toda maneira, não se pode fugir a uma apuração detalhada deste fato, para que não pairem dúvidas quanto à existência ou não do delito. Confirmado, não haverá como fugir à punição e, como resultado, a população terá ampliada a sua crença no direito, na ordem, na justiça, em se tratando da disputa eleitoral. Com a palavra, quem de direito.

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